Mundo Agrario, agosto - noviembre 2023, vol. 24, núm. 56, e218. ISSN 1515-5994
Universidad Nacional de La Plata
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación
Centro de Historia Argentina y Americana

Artículos

Desafios do PRONAF Habitação na promoção da qualidade de vida de agricultores familiares no Sul do Brasil

Juliano Luiz Fossá

Faculdade Empresarial de Chapecó, Brasil
Alessandra Matte

Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil
Ana Paula Schervinski Vilwock

Universidade Federal de Sergipe, Brasil
Marcia de Souza

Universidade Comunitária da Região de Chapecó, Brasil
Arlene Anélia Renk

Universidade Comunitária da Região de Chapecó, Brasil
Cita sugerida: Fossá, J. L., Matte, A., Schervinski Vilwock, A. P., Souza, M. y Renk, A. A. (2023). Desafios do PRONAF Habitação na promoção da qualidade de vida de agricultores familiares no Sul do Brasil. Mundo Agrario, 24(56), e218. https://doi.org/10.24215/15155994e218

Resumo: Neste artigo é analisado o número de contratos e o montante acessado para essa linha de crédito no cenário nacional e sua efetividade no contexto empírico do município de Chapecó, no estado de Santa Catarina, Brasil. A pesquisa é do tipo exploratória, por meio de estudo de caso com abordagem qualitativa. Os dados foram coletados por meio de questionário semiestruturado, com a participação de dez agricultores familiares. Foi realizado análise de conteúdo a partir das informações obtidas. Os principais resultados demonstram que a majoritária concentração dos recursos da linha de financiamento está na região Sul do país. Entretanto, os limites, especialmente quanto ao valor do teto de contratação do crédito, além dos entraves burocráticos de contratação e a falta de assistência de profissionais da engenharia civil e arquitetura, dificultam o processo de acesso e consolidação do recurso. São necessários avanços nas ações do Estado no sentido de contemplar as carências ainda existentes no espaço rural quanto às condições de moradia.

Palavras-chave: Política Pública, PRONAF Habitação, Agricultura familiar.

Challenges of PRONAF Housing in promoting the quality of life of family farmers in Southern Brazil

Abstract: This article analyzes the number of contracts and the amount accessed for this credit line in the national scenario and its effectiveness in the empirical context of the municipality of Chapecó, in the state of Santa Catarina, Brazil. The research is exploratory, through a case study with a qualitative approach. Data were collected through a semi-structured questionnaire, with the participation of ten family farmers. Content analysis was performed based on the information obtained. The main results show that the majority of the financing line resources are in the southern region of the country. However, the limits, especially regarding the value of the credit contracting ceiling, in addition to the bureaucratic obstacles to contracting and the lack of assistance from civil engineering and architecture professionals, make the process of accessing and consolidating the resource difficult. Advances are needed in State actions in order to address the needs that still exist in rural areas in terms of housing conditions.

Keywords: Public Policy, PRONAF Habitação, Family farming.

Introdução

A temática proposta nesta pesquisa centra-se na recente trajetória da linha de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF Habitação). O programa PRONAF está vigente no país há mais de 25 anos e, estruturalmente, dedica-se à concessão de financiamento à agricultura familiar de caráter produtivo a atividades agrícolas e pecuária de custeio, investimento, comercialização e industrialização (Brasil, 2022c; Schneider, Cazella & Mattei, 2021a; Wesz Junior, 2021).

A partir do Plano Safra 2019/2020 foi instituído no âmbito do programa uma linha de financiamento destinada à construção e reformas de moradias, ou seja, a institucionalização do PRONAF Habitação. A liberação de recursos para melhoria das condições de habitação no segmento da agricultura familiar é uma reivindicação histórica, especialmente das famílias que não se enquadravam nas políticas públicas existentes para esse fim.

Ao considerarmos essa perspectiva, a iniciativa por parte do Governo Federal ocorre em um momento subsequente ao desmonte das ações e recursos destinados às políticas de apoio à agricultura familiar, incluindo o Programa Nacional Habitação Rural (PNHR) (Fossá & Renk, 2021; Mattei, 2018). Apesar disso, nos termos de Silva (2014), o público-alvo do PNHR possui características socioeconômicas próprias que se diferenciam daquelas famílias em que o PRONAF Habitação se propõe a atender.

Apesar da mesma problemática –habitação rural de qualidade e em condições dignas –, o PRONAF Habitação se constitui em uma estratégia paralela aos pressupostos do PNHR, com objetivos e públicos-alvo diferentes. Isto, porque o PNHR limitava a participação de famílias de agricultores com rendimentos de até três salários mínimos, enquanto o acesso via PRONAF Habitação enquadra atualmente aquelas famílias com rendimentos anuais de até R$ 500.000,00, ou seja, em termos de renda mensal, podem acessar aquelas famílias com rendimentos aproximados de até 34 salários mínimos (Brasil, 2021; Rover & Munarini, 2010; Silva, 2014; Vasconcelos, 2014).

Em todo caso, no momento atual, o PRONAF Habitação se estabelece como uma das poucas possibilidades de políticas públicas existentes para o segmento da agricultura familiar no que se refere a melhoria nas condições de moradia. Isso porque não houve novos contratos via PNHR nos últimos anos conforme informações do site programa (Brasil, 2022c). Apesar da execução ser recente, a linha do PRONAF Habitação concentra as operações na região Sul do país, reproduzindo, pelo menos até aqui, a mesma trajetória dos créditos de custeio executados nos primeiros anos do programa, mais especificamente entre 1996 e 2002, conforme demonstrado por Gazolla e Schneider (2013).

Diante desse cenário, o objetivo foi analisar o número de contratos e o montante acessado para a linha de crédito PRONAF Habitação no cenário nacional, assim como a efetividade no contexto empírico do município de Chapecó, no estado de Santa Catarina, Brasil. Para isso, a pesquisa contou com o apoio de agricultores familiares beneficiados e organizações da agricultura familiar, para compreender como esta linha de crédito, até aqui pouco estudada, possa inferir sobre a realidade social, a partir do acesso aos recursos. Para alcance do objetivo de pesquisa, este artigo está estruturado em quatro seções, para além das notas introdutórias. Na primeira é realizada uma revisão da literatura, em seguida são apresentados os métodos. Na terceira seção são apresentados os resultados da pesquisa de campo, e, por fim, são tecidas as considerações finais.

Políticas públicas à agricultura familiar na perspectiva da habitação

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura da Familiar (PRONAF), institucionalizado em 1996, demarca na perspectiva histórica, a relação do Estado brasileiro com esse segmento do setor agropecuário. Ao estabelecer a primeira política pública específica, assume que a referida categoria possui características particulares que exigem atenção diferenciada no que se refere à solução de problemas, gargalos e fragilidades no âmbito rural brasileiro (Bianchini, 2015; Búrigo, Wesz Junior, Capellesso & Cazella, 2021; Gazolla & Schneider, 2013).

As ações dos diferentes Governos Federais no Brasil, entre meados da década de 1990 até o ano de 2015, comprovam que se estabeleceu ao longo de quase duas décadas uma marcha de construção de políticas públicas com o objetivo de proporcionar suporte à agricultura familiar brasileira para melhoria das condições, tanto de trabalho como de vida. Em análise a esse período, Grisa e Schneider (2014; 2015) caracterizaram três gerações de políticas públicas: a primeira com objetivo de fortalecimento agrícola e agrário, a segunda no que se refere à atenção assistencial, e a terceira à criação de mercados institucionais focados na segurança alimentar.

Considerando a vasta literatura a partir dessas perspectivas analíticas, centraremos esforços em uma compreensão relacionada à segunda geração, especificamente relacionada à política habitacional para o espaço rural que, por sua vez, é somente colocado em prática no país no ano 2000, a partir de convênio entre a Caixa Econômica Federal e o INCRA (Silva, 2014).

Em continuidade ao panorama histórico, o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR) (Caixa Econômica Federal, 2021) foi implantado em 2003 e aperfeiçoado nos anos posteriores. Ganhou capilaridade nacional com a inserção ao Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) no ano de 2009, por meio da Lei Federal 11.977. O PNHR pode ser considerado “uma conquista dos trabalhadores rurais, por meio de suas entidades, e de um governo federal que permitiu esta abertura e este olhar ao setor agrícola, mais precisamente, à agricultura familiar” (Vasconcellos, 2014, p. 62).1

A finalidade do programa consistia em possibilitar ao agricultor familiar, trabalhador rural e comunidades tradicionais o acesso à moradia digna no campo, seja por meio da construção de uma nova casa ou ainda reforma e/ou ampliação e conclusão de moradia já existente. Segundo Rover e Munarini (2010), inicialmente o programa possuía três modalidades2 de contratos, as quais estiveram em funcionamento até o ano de 2009. Já enquadrado no Programa Minha Casa Minha Vida Rural, por meio do Decreto Federal n. 6.819/2009, o programa passou por reformulações no sentido de adequação das normas contratuais, especialmente para saneamento das dificuldades de contrapartidas por parte de famílias de agricultores familiares em maior vulnerabilidade social.

A este respeito, Vasconcellos (2014, p. 63) sinaliza que: “A demanda reprimida de muitos anos foi atenuada, em função da ação das entidades representativas dos agricultores e trabalhadores rurais e de um governo federal que resolveu investir na habitação, como uma estratégia de inclusão, de cidadania”. Sobre essa perspectiva é necessário ressaltar o protagonismo da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de Santa Catarina (FETRAF), tanto no que se refere à articulação quanto à execução dessa ação governamental. O PNHR seguiu seu curso enquanto política pública executada principalmente pela Caixa Econômica Federal enquanto agente financeiro, em parceria com as organizações sociais do campo, com destaque para o movimento sindical da agricultura familiar, instituição que operacionalizou e controlou a execução dos contratos (FETRAF/SC, 2022).

Com a entrada efetiva do Sr. Michel Temer como presidente do Brasil, o executivo federal passou a adotar um conjunto de medidas de desestruturação das esferas institucionais, bem como das políticas públicas de apoio ao segmento da agricultura familiar (Fossá & Renk, 2021; Mattei, 2018). No âmbito da habitação rural, as ações residuais tiveram continuidade, pois, legalmente, o programa não foi extinto, contudo não houve chamadas públicas, nem mesmo previsão orçamentária capaz de promover andamento de novos projetos no plano nacional.3

Em paralelo a essa situação, em meados de 2019, no âmbito do Plano Safra 2019/2020, o Governo Federal, por meio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), vinculado ao PRONAF, lançou uma linha de crédito específica à habitação para o segmento da agricultura familiar brasileira. No referido documento foi divulgado o montante de R$ 500 milhões para construção e reforma de moradias, com limite máximo de R$ 50 mil por operação contratual.4

O acesso ao PRONAF Habitação se dá por meio da Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP) em qualquer agência do sistema bancário que opere com o programa. A esse respeito, podem ser financiados empreendimentos novos, aumento de área construída e modificação estrutural do imóvel. Os requisitos e garantias exigidas para liberação dos recursos podem variar de acordo com a instituição financeira em que o agricultor(a) efetive o contrato.

O Governo Federal, a partir de uma visão produtivista sobre as problemáticas da habitação rural no país, procurou estabelecer a solução dessas controversas a partir de crédito junto ao PRONAF. Contudo, essa é uma realidade social mais complexa e a problemática habitacional merece a devida atenção do Estado brasileiro. Isto porque, em primeiro lugar, ao passo que se instituiu o PRONAF Habitação não foram retomadas novas iniciativas no âmbito do PNHR. Em segundo, o público beneficiado historicamente atendido pelo PRONAF não é em sua totalidade o mesmo que teve acesso ao PNHR. Em terceiro, as condições de pagamento, subsídios e suporte das instituições envolvidas diferem significativamente na comparação entre o PNHR e a linha de financiamento habitacional proposta pelo PRONAF (Brasil, 2009, 2020).

Além disso, no que se refere a sua operacionalização, os primeiros dois anos (2019-2020) de execução do PRONAF Habitação foram instrumentalizados 13.218 contratos com o montante de aproximadamente R$ 564 milhões. Tais indicadores direcionam para o valor médio do contrato nos dois anos de R$ 42,7 mil, ou seja, valor considerável ao relacionar com o limite de cada operação fixado pelo programa em R$ 50 e R$ 60 mil respectivamente em 2019 e 2020. Contudo, esses montantes não são sempre suficientes para garantir a conclusão de reformas estruturais e muito menos para construção de uma nova moradia, exigindo assim que as famílias pertencentes à agricultura familiar contratantes realizem outras formas de aporte financeiro. Esse quadro analítico não se extingue nesta seção, visto que será retomado na sequência.

Políticas públicas de habitação rural representam impacto não apenas econômico, mas, sobretudo, social, na medida em que oferecem novas perspectivas às famílias rurais (Marques, 2019; Rover & Munarini, 2010; Silva, 2014; Silva, 2019; Valva, 2019). A partir da análise arquitetônica da construção de casas rurais no estado de Goiás, Valva (2019) reflete sobre a importância de se considerar a distinção entre habitat e habitar. Para a autora, habitat diz respeito ao “aspecto físico do lugar que se vive, aos assentamentos para abrigar as pessoas e a construção de espaços para a habitação”. De modo complementar, mas distinto, elucida que o habitar, por sua vez, diz respeito à “relação entre o sujeito e o meio em que ele vive e revela as questões mais subjetivas dessa posição”. Portanto, o espaço de viver e habitar não apenas reflete na funcionalidade das atividades, como também no pertencer a um ambiente e a um mundo, como sujeito e ator social reconhecido pelo Estado.

De modo equivalente, Silva (2019) discorre que a morada rural é também espaço de resistência e de transformação, ao passo que compreende elo de cuidado com as pessoas ao permitir as expressões culturais e de forças políticas. Para Marques (2019), a dimensão política do morar representa a expressão de singularidade do sujeito que, majoritariamente, é desconsiderada. Burnett, Souza e Moniz Filho (2021) exemplificam esse resistir ao relatar o contexto da autoprodução de moradias populares urbanas e rurais no Maranhão. Os autores constatam que os processos construtivos populares consideram a estrutura familiar, as diferentes formas de ocupação da terra, as práticas produtivas e o acesso à renda para estabelecer seus espaços de viver.

Essa reflexão é essencial a ser feita para pensar o PRONAF Habitação, ao passo que entre as críticas do PNHR está a sua incompatibilidade com diferentes realidades socioespaciais do Brasil, na medida em que estudos apontam desconformidade nas construções, com os modos de vidas e práticas tradicionais, contrariando metas de desenvolvimento local (Burnett, 2019; Sacho, 2018). Portanto, a promoção de políticas de habitação rural representa a oportunidade das populações rurais, especialmente as categorias familiares rurais, expressarem as singularidades na forma como (re)constroem suas moradias.

Nos termos de Wanderley (2009), atualmente o olhar sobre o rural brasileiro supõe esse território tanto como um local de trabalho, como um espaço de vida. Ao considerarmos essa perspectiva, a melhoria das condições de moradia do segmento da agricultura familiar contribui para um avanço na qualidade de vida das famílias que, via políticas públicas, conseguiram construir ou reformar seus espaços de convívio social. As ações em torno de temática da habitação rural assumem historicamente uma relevância social de fundamental importância no que se refere às concepções sobre desenvolvimento rural (Bolter, Schneider & Hass, 2015).

No meio rural do oeste catarinense, a moradia é identificada como a “casa da família tal”, logo, um símbolo de distinção ou de decadência, conforme o caso. Uma moradia sem pintura com sinais de deterioração pode significar que a família encontra-se em descenso econômico, ou declínio vital, ou que não há sucessores naquela propriedade. Já, o investimento na habitação, principalmente em alvenaria, demonstra a solidez, joga a favor da propriedade, contando crédito para a família. Habitação é moradia, local de convívio, de receber vizinhos e visitas, aberto ao público. É o espaço íntimo e, paradoxalmente, a imagem pública da família. Deve ser considerado como as políticas públicas contribuem para a permanência dos jovens no meio rural (Heisler, Renk & Bonamigo, 2019; Rover & Munarini, 2010).

Método

Essa pesquisa tem abrangência exploratória na medida em que se propõe a estudar um fenômeno recente, mas que carece de análises iniciais, a fim de levantar hipóteses e identificar variáveis para pesquisas correlacionais. Neste estudo, utilizou-se prioritariamente abordagem qualitativa por compreender que ela possibilita o aprofundamento do problema de pesquisa e o alcance dos objetivos (Marconi & Lakatos, 2017). Também foram levantados dados secundários quantitativos, a fim de contextualizar a problemática, qualificar as reflexões sobre o fenômeno estudado e apresentar resultados referentes ao número de operações contratuais e o montante acessado do PRONAF Habitação.

A pesquisa caracteriza-se como um estudo de caso. Para isso, a unidade analítica foi uma cooperativa de crédito rural com interação solidária de atuação em quatro municípios no Oeste do estado de Santa Catarina, a qual registrou acesso ao PRONAF Habitação apenas para o município de Chapecó. A delimitação dos sujeitos sociais escolhidos para compor esta pesquisa ocorreu de duas formas. A primeira compreendeu a seleção de agricultores familiares que acessaram os recursos nos anos de 2019 e 2020 no município. A segunda buscou selecionar atores sociais em posição de liderança na própria cooperativa de crédito rural, no sindicato dos trabalhadores e agricultura familiar na região, na federação dos trabalhadores e agricultura familiar de Santa Catarina e da Cooperativa de Habitação dos Agricultores Familiares COOPERHAF. A escolha por esse segundo grupo de atores sociais, bem como suas organizações, ocorreu fundamentalmente pela experiência e proximidade com as políticas públicas de habitação rural. Ao considerar o propósito da investigação, foi elaborado um formulário para cada grupo de atores sociais, ou seja, um para os agricultores(as) familiares que acessaram tais recursos e outro para as lideranças das organizações selecionadas.

A coleta de dados ocorreu entre os meses de outubro a dezembro de 2021, por meio de questionário da plataforma Google Formulários. A ferramenta foi escolhida em função da situação pandêmica da COVID-19 que o país atravessou desde o início de 2020.

Foram usadas duas estratégias para a coleta dos dados: a primeira por meio de envio de e-mail às organizações selecionadas com o direcionamento de quem deveria ser o respondente, e a segunda via aplicativo de celular WhatsApp, com prévia apresentação do assunto, em razão da confiabilidade na pesquisa e segurança na participação.

O formulário continha questões abertas e fechadas que versavam sobre as características dos(as) entrevistados(as), as condições de acesso ao PRONAF Habitação, as oportunidades e fragilidades relacionadas às normas operacionais da linha de financiamento, bem como as contribuições para melhoria das condições de vida das famílias entrevistadas.

A pesquisa contou com dez participantes, seis são agricultores familiares e quatro pertencem ao conjunto de lideranças das organizações mencionadas anteriormente. É fundamental ressaltar que os instrumentos utilizados tinham como primeiro questionamento o aceite do sujeito social em participar da pesquisa, ou seja, a concordância do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após a finalização do processo de coleta de dados, as informações foram organizadas, selecionadas e analisadas por meio da análise de conteúdo.

Resultados e análise

Inicialmente, nesta seção, serão abordados os aspectos relacionados aos dados quantitativos, obtidos no Banco Central do Brasil. Até o momento foram disponibilizados somente os dados referentes aos anos de 2019 e 2020 e, conforme mencionado anteriormente, com registro de 13.218 contratos no país e aproximadamente R$ 564 milhões em recursos. Em relação à distribuição entre as grandes regiões brasileiras, a região Sul se destaca com 86,9 % do montante financeiro e 84,3 % das operações contratuais (Brasil, 2022b).

Nesta perspectiva, o estado de Santa Catarina, no período em análise, posiciona-se como o segundo entre as unidades da federação com maior acesso a essa linha de financiamento, ficando atrás apenas do estado do Rio Grande do Sul. A concentração regional também ocorreu e, em menor grau, ainda ocorre com as linhas tradicionais do programa conforme demonstrado em inúmeros trabalhos acadêmicos (Baccarin & Oliveira, 2021; Fossá, Matte, Cazella & Mattei, 2021; Mattei, 2015; Schneider, Cazella & Mattei, 2015; Wesz Junior, 2021).

O estado catarinense registrou 1.308 contratos em 2019 e 2.381 em 2020, com o total de 6.689 operações, representando 27,9 % do total no país, o que denota expressiva participação no acesso a essa linha de crédito. Com relação aos recursos, o estado recebeu 29,5 % do recurso nacional, aproximadamente R$ 166,7 milhões para a linha de crédito PRONAF Habitação (Brasil, 2022b).5

Tabela 1
Número de operações contratuais do PRONAF Habitação por estado no Brasil entre 2019 e 2020
Número de operações contratuais do PRONAF Habitação por estado no Brasil entre 2019 e 2020
Fonte: Elaborado pelos autores com base em Banco Central do Brasil (Brasil, 2022a).

Essas informações introdutórias legitimam e justificam a importância de pesquisas nessa temática, especialmente aquelas realizadas em regiões territoriais com significativo acesso por parte de agricultores familiares. A este respeito, retoma-se a delimitação da área do estudo aqui apresentado, a qual se dá no município de Chapecó, oeste de Santa Catarina. Isso porque o município possuía em 2017 aproximadamente 78,45 % dos 1.661 estabelecimentos rurais enquadrados como agricultura familiar (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017). Além disso, o município, assim como toda a região Oeste de Santa Catarina, possui longa trajetória de acesso aos recursos do PRONAF (Fossá, 2021). Sendo assim, inicia-se a disposição dos resultados coletados no campo de pesquisa a partir das lideranças das organizações selecionadas.

O grupo de atores sociais em posição de liderança (cooperativa de crédito rural, sindicato, federação dos trabalhadores e cooperativa de habitação) afirmou que a relação de proximidade e a experiência com a política pública PRONAF é fator preponderante para que a nova linha de crédito fosse acessada. Isso nos permite afirmar que se trata de um significativo indicativo de capital social envolvido na relação com esse programa, visto que o PRONAF encontra-se, nas últimas três décadas, como a principal ação do Governo Federal em relação à categoria.

Para as lideranças, o PRONAF é reconhecido como importante programa do segmento, conforme elucida o Entrevistado 2: “Foi e é de extrema importância para o desenvolvimento dos agricultores e nos demais setores da economia da região”. Na mesma perspectiva, complementa o Entrevistado 3: “Indispensável para o desenvolvimento regional”. Contudo, percebe-se a compreensão dos limites do próprio programa a partir do registro do Entrevistado 4: “Fundamental para a Agricultura Familiar, embora não atenda às necessidades que a categoria precise. Precisaria adequações e aperfeiçoamento no programa”.

Em relação ao PRONAF Habitação, as lideranças argumentam que se trata de uma importante novidade, como demonstra o Entrevistado 3: “teve uma grande importância, para auxílio na construção de moradias no meio rural”. Para o Entrevistado 1: “Na questão de sucessão familiar, o filho pode realizar uma operação de habitação, é um estímulo à permanência no meio rural”. No entendimento do Entrevistado 4, a linha do PRONAF Habitação precisa avançar “em linhas de crédito específicas para a juventude do campo, não só de valores, mas política que possa atender os sonhos mais imediatos dos jovens, pois, geralmente ele se casa e não tem onde morar”. Em termos de política pública, o Entrevistado 2 considera que a linha do programa opera em um processo “classificatório” por se tratar de um financiamento: “se torna um processo ‘classificatório’, onde abrange na sua grande maioria famílias com melhor poder aquisitivo, deixando de fora as famílias com maior necessidade social e de certa forma eximindo os governos de suas responsabilidades sociais”.

Nota-se que, entre os quatro representantes, há reconhecimento ao programa, mas, especialmente, conjunto de críticas que podem facilmente serem ajustas em melhorias para as políticas, na medida em que sugerem a associação dessa linha de crédito ao papel de permanência de filhos(as) nas propriedades rurais. Em outra medida, a última avaliação está pautada em ações de anos recentes, em que havia recurso a fundo perdido para construções rurais. Portanto, o PRONAF tem caráter distinto e de fato é recurso que será acessado por produtores em condições de se comprometerem com o pagamento.

Em termos de política pública, questionados se o PRONAF Habitação é uma “substituição” ao inativo Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR), os entrevistados divergem a este respeito. Para o Entrevistado 2, “no mesmo momento em que se inicia o PRONAF Habitação se retiram os recursos do PNHR, eximindo o Governo Federal de sua responsabilidade social, deixando uma grande parte das famílias desassistidas”. Distante dessa posição, o Entrevistado 4 considera que: “O PRONAF tem um caráter de política de Estado consolidada embora todos os limites que possamos apresentar, e o PNHR foi uma política pública de governo que deveria ter se tornado uma política de Estado”. Já o Entrevistado 1 argumenta que, apesar do encerramento do PNHR, o PRONAF Habitação é “uma forma de valorizar e reconhecer parte da dívida do Estado com a agricultura familiar”.

No que se refere aos desafios já colocados para essa linha de financiamento, bem como aquelas adequações e melhorias futuras, a principal delas é o aumento do limite de recursos que atualmente, no Plano Safra 2021/2022, está limitado em R$ 60 mil. Além disso, o Entrevistado 3 considera importante “dar condições de pagamento com maior prazo, subsidiar parte do investimento para quem pagar em dia suas parcelas, ter junto um projeto de desenvolvimento sustentável que vá além da casa”.

Já o Entrevistado 4 aponta que é “necessário um repensar sobre a realidade da agricultura familiar hoje para construir proposta de políticas públicas de Estado que venham atender os desafios e limites colocados”. A perspectiva perpassa a discussão da linha de Habitação do PRONAF e coloca no debate os incontáveis desafios e limites de qualquer política pública para dar conta das inúmeras realidades sociais e ao mesmo tempo da diversidade da agricultura familiar brasileira.

Em relação ao questionário aplicado aos agricultores(as) familiares que acessaram os recursos do PRONAF Habitação, entre o universo de 20 operações contratuais realizadas no âmbito da cooperativa de crédito entre 2019 e 2020, foram obtidas seis respostas. Entre os respondentes, metade eram mulheres e outra metade homens, o que, por si só, evidência importante participação feminina, se comparado a linhas de crédito custeio e investimento, por exemplo. No que se refere à faixa etária, os registros estão distribuídos no intervalo de 19 a 59 anos, com destaque para o intervalo entre 29 e 39 anos que obteve dois apontamentos.

Quanto aos rendimentos familiares mensais, três participantes afirmaram possuir entre um e três salários-mínimos como renda mensal. Uma resposta sinalizou rendimentos entre três e cinco salários e as outras duas afirmaram que os rendimentos familiares se situam acima dos cinco salários-mínimos. Quanto ao tamanho das propriedades, elas estão entre três e 80 hectares, contudo, cinco possuem até 20 hectares.

Em relação à experiência com o PRONAF, o conjunto de agricultores familiares respondentes afirmou ter longa trajetória com o programa. Na média, as relações ficam acima de 11 anos. Nesse aspecto, estabelecem a linha de habitação como mais uma das possibilidades de financiamento, contudo, agora focada na habitação e não nos aspectos do processo produtivo. A esse respeito, o Entrevistado 10 considera que o PRONAF Habitação é “muito importante, que ajuda a viabilizar a permanência do agricultor familiar no campo”. A afirmação é complementada pelos Entrevistados 7 e 8 respectivamente: “É de suma importância para darmos continuidade nas atividades da agricultura familiar”, e “É um programa interessante”.

Acerca da utilização dos recursos, quatro destinaram para construção, um para reforma e um para reforma e construção. Com relação ao suporte técnico de engenharia civil/arquitetura, cinco dos agricultores familiares entrevistados confirmaram que receberam algum tipo de apoio profissional. Ao questionarmos se os recursos foram suficientes para finalização das obras, todos os respondentes afirmaram que eles não foram o bastante, por isso complementaram com recursos próprios e/ou outros tipos de empréstimos. Esses aspectos podem ser vinculados especialmente a dois fatores principais, o primeiro quanto ao limite dos recursos de financiamento, atualmente de R$ 60 mil, e o segundo quanto ao processo inflacionário dos materiais de construção, especialmente a partir de meados do ano de 2020.

Por outro lado, o acesso a linha de crédito em consonância ao acesso a outras formas de aporte de recurso denota importância para o programa. Assim como as lideranças, os agricultores entrevistados também sinalizam a relevância do programa no que concerne ao seu papel social, especialmente em melhorias no ambiente do meio de vida dessas famílias, enquanto estratégia para a continuidade de jovens no meio rural. Esse resultado nos dá pistas para a necessidade de pesquisas mais aprofundadas nessa temática, levantando como hipótese que essa linha de crédito tem, sobretudo, um papel sociocultural no ambiente doméstico de incentivo à continuidade de outros membros da família.

Já em relação à inovação apresentada a partir da criação da linha de habitação, os entendimentos na visão dos atores sociais entrevistados que acessaram os recursos são positivos, uma vez que contribuíram para melhoria das condições sociais da família. A afirmação do Entrevistado 10 corrobora com esta afirmação ao mencionar que “é um programa que ajuda o agricultor que não consegue [construir ou reformar] através de recurso próprio ou outro meio”.

O avanço dessa linha de crédito resulta de lutas camponesas que, após aferidos recursos para as questões produtivas, passa a chamar a atenção para aspectos mormente secundarizados, mas não menos importantes, como a moradia e, com isso, o bem estar das famílias rurais. Contudo, o aspecto de maior relevância para melhorias nessa linha de crédito está relacionado à possibilidade de acessar mais recursos, pois, segundo dados do nosso campo de pesquisa, o limite praticado atualmente não garante a execução da obra.

Nessa mesma direção, Hora (2019) constata que a partir de análise para o acesso ao PNHR em um assentamento no estado de Goiás, recursos destinados a essa política pública nem sempre dialogam com as demandas locais. Mesmo assim, conforme a autora, as experiências de habitação rural têm se apresentado como instrumentos de luta, de resistência e de organização dos movimentos do campo. Ao encontro desses resultados, Silva, Santana, Melo e Soares (2021), ao analisarem a realidade de municípios do Pará, constatam que o PNHR desconsidera as particularidades regionais, com vistas à preservação da sociabilidade do modo de vida rural amazônico. Ainda no mesmo estado, Silva e Santana (2019) apontam que o PNHR vem contribuindo com acesso à casa, mas, contraditoriamente, volta-se aos interesses do mercado imobiliário que homogeneíza e desconsidera as realidades diversas e singulares dos pequenos municípios. Em alguma medida, a experiência com essa outra política de habitação oferece importantes elementos para não se repetirem os mesmos erros.

Outros dois aspectos em relação aos desafios futuros, quanto a melhorias no PRONAF Habitação, emergiram nas percepções do conjunto de agricultores(as) entrevistados. O primeiro diz respeito aos aspectos burocráticos, ou seja, as exigências técnicas e de garantias financeiras que o sistema bancário requer para liberação do financiamento. Essa exigência pode ser constatada pela falta de esclarecimento por parte dos bancos e das cooperativas de crédito, os quais não justificam claramente os motivos da solicitação de cada documento, bem como suas políticas de segurança para concessão do crédito. Em alguma medida isso pode explicar o expressivo número de contratos no Sul, em detrimento de outras regiões em que o preço da terra e a capitalização das propriedades pode influenciar sobre a liberação do crédito. O segundo aspecto está relacionado com a possibilidade futura de acesso com juros mais acessíveis, bem como pela falta de formas de subsídios por parte do Governo Federal no intuito de efetivar que mais famílias possam ser beneficiadas com os recursos e, consequentemente, melhorar as condições de moradias em que residem.

Os dados do campo de pesquisa demonstraram que expressiva maioria dos entrevistados não compreendem a linha do PRONAF Habitação como uma ação em substituição ao PNHR, visto que se trata de públicos diferentes. Em outros termos, a linha do PRONAF Habitação contempla um perfil de agricultor familiar mais capitalizado, enquanto os beneficiários do PNHR se caracterizam como um público com maior vulnerabilidade social.

Considerações finais

A política pública do PRONAF em sua trajetória de mais de 25 anos tornou-se a principal ação governamental de apoio específico ao segmento da agricultura familiar. Em 2019, por meio do Plano Safra 2019/2020, é instituído no âmbito do programa o PRONAF Habitação que, por sua vez, constituiu-se como uma iniciativa inovadora ao contemplar em seu escopo crédito para melhoria das condições de moradia ao segmento da agricultura familiar.

Ao propor a análise quanto número de contratos e o montante acessado para essa linha de crédito no cenário nacional, bem como sua efetividade em Chapecó/SC, Brasil, inserimos no debate uma problemática fundamental sobre as condições de vida de famílias de agricultores familiares brasileiras e os desafios de acesso às políticas públicas, neste estudo, especificamente quanto a habitação rural.

Grosso modo, traços da trajetória do programa se expressam até mesmo no caso da linha de financiamento da habitação, na medida em que a concentração dos recursos materializa-se na região Sul. Conforme demonstrado pelos dados do Banco Central, 86,9 % dos recursos no período analisado foram efetivados na região.

A perspectiva do crédito via PRONAF para financiamento de construção e reforma de moradias no meio rural é um processo importante no que se refere as melhorias das condições sociais do segmento da agricultura familiar. Contudo, as ações até aqui desenvolvidas precisam ser capilarizadas e o acesso aos recursos conduzidos de forma que contemple todo território nacional. O nosso campo de pesquisa (município de Chapecó, no Oeste catarinense) demonstrou claramente que o limite atual de concessão de crédito é insuficiente, tanto para a construção de moradias novas como para reformas.

Em se tratando de política pública, especialmente de moradia, poderiam ser elaboradas novas propostas quanto as condições de pagamento relacionadas a um significativo aumento do prazo como também de taxas de juros adequadas a realidade social da agricultura familiar. Outro aspecto fundamental que merece ser reestruturado relaciona-se com a questão do apoio técnico de profissionais da área da engenharia civil e arquitetura. Além disso, o problema público de habitação rural requer um avanço mais estruturado para enfrentamento concreto das fragilidades atuais dessa problemática social.

Por fim, é importante ressaltar a importância deste debate ao considerar uma novidade em termos de ação de uma política pública específica ao segmento da agricultura familiar, ao mesmo tempo em que são sugeridos novos estudos que possam contribuir para a compreensão da temática apresentada. Sobretudo, há hipóteses que podem ser testadas, como a efetivação dessa linha de crédito como potencial incentivo à continuidade de jovens ou sucessores nas propriedades de agricultura familiar, assim como análises com relação à qualidade de vida dos beneficiários após a construção ou reforma.

Agradecimentos

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do aporte financeiro no projeto n° 423392/2021-2.

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Notas

1 Segundo dados da FETRAF-SC o estado de Santa Catarina foi o maior beneficiado do país em números de casas construídas via PMCMVR.
2 Detalhes das modalidades de contratos e regras de financiamento podem ser consultadas em Rover e Munarini (2010).
4 As disposições acerca das normas de contratação estão disponíveis anualmente no documento Plano Safra, elaborado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
5 Os dados públicos disponibilizam não contemplam o número de acesso por município.

Recepción: 24 Junio 2023

Aprobación: 12 Julio 2023

Publicación: 01 Agosto 2023

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