Mundo Agrario, abril-junio 2024, vol. 25, núm. 58, e239. ISSN 1515-5994
Universidad Nacional de La Plata
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación
Centro de Historia Argentina y Americana

Artículos

Condições de trabalho e de vida domiciliar dos assalariados da agropecuária da Região Sul

Carlos Alves do Nascimento

Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Jefferson Andronio Ramundo Staduto

Universidade Estadual do Oeste do Paraná / Campus Toledo, Brasil
Gabriela Gomes Mantovani

Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná – IAPAR-EMATER (IDR-Paraná), Brasil
Cita sugerida: Nascimento, C. A., Staduto, J. A. R. y Mantovani, G. G. (2024). Condições de trabalho e de vida domiciliar dos assalariados da agropecuária da Região Sul. Mundo Agrario, 25(58), e239. https://doi.org/10.24215/15155994e239

Resumo: O artigo tem como objetivos mensurar os contingentes de famílias de assalariados na agropecuária da região Sul e analisar as condições de trabalho e de vida material domiciliar desses trabalhadores. Foi construída uma tipologia de famílias e índices de qualidade dos empregos e das condições de vida a partir dos microdados das PNADs/IBGE de 2002 a 2014. O valor de referência para a classificação dos tipos de famílias foi o salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE. O período analisado foi de grande expansão econômica e desenvolvimento social, no qual se reduziu expressivamente o contingente de famílias de assalariados que se encontrava nas piores condições sociais, porém ainda se registrava elevada participação desse número de assalariados na amostra analisada em 2014.

Palavras-chave: Condição de trabalho, Condição de vida material, Qualidade do emprego, Salário mínimo necessário.

Working and home life conditions of agricultural employees in the Southern region

Abstract: The article aims to measure the contingents of families of salaried workers in agriculture in the South region, and to analyze the working conditions and material home life of these workers. A typology of families and indices of work quality and living conditions were constructed based on microdata from the PNADs/IBGE from 2002 to 2014. The reference value for classifying the types of families was the minimum wage calculated by DIEESE. The period analyzed was one of considerable economic expansion and social development, in which the contingent of wage earners families who were in the worst social conditions was significantly reduced, but there was still a high participation of this number of wage earners in the sample analyzed in 2014.

Keywords: Working condition, Material life condition, Job quality, Minimum wage required.

Introdução

A economia brasileira de 2003 a 2014 teve um período de expansão, reflexos do desempenho de todos os setores, particularmente da agropecuária. Para exemplificar tal situação, enquanto em 2000 o PIB da agropecuária foi de R$ 252.680 milhões, em 2022 o PIB da agropecuária correspondeu a R$ 711.092 milhões, o que representou um aumento de 3p.p. na participação da agropecuária no PIB do país, passando de 3,9%, em 2000, para 6,8%, em 2022 (CEPEA, 2023), dados que evidenciam o progresso feito pelo setor.

Com o processo de globalização, a introdução da mecanização e tecnologia no setor rural e o processo de modernização da agropecuária (Balsadi, 2001; Staduto, Shikida y Bacha, 2004; Nascimento y Aquino, 2018), o Brasil se tornou um importante player internacional no comércio de produtos agropecuários, aumentando sua competitividade em diversas cadeias de produção (Mantovani, Staduto y Nascimento, 2022). A dinâmica virtuosa da agricultura brasileira, familiar e não familiar, refletiu nas áreas rurais em termos econômicos e sociais1, mediante o aumento da renda média dos trabalhadores concomitantemente com baixa taxa de desemprego no setor (IPEA, 2022).

Espera-se que o crescimento do rendimento médio dos produtores rurais provoque a ampliação do bem-estar da população rural, especialmente dos trabalhadores rurais assalariados, por meio da melhora da renda, qualidade do mercado de trabalho e qualidade de vida. Nas áreas rurais são mais frequentes as violações dos diretos dos trabalhadores e a pobreza é mais intensa (Mariano y Neder, 2006; Hurst, Termine y Karl, 2007; ILO, 2013; Pereira, Justo y Lima, 2017). Alguns estudos examinam a qualidade do trabalho e a qualidade de vida desses trabalhadores isoladamente (Balsadi, 2006, 2007c); no entanto, como as pessoas vivem majoritariamente em núcleos familiares, parece mais adequado estudar de forma combinada essas duas dimensões.

Diante desse cenário, este artigo objetiva analisar a evolução dos contingentes de famílias de assalariadas no setor agropecuário, assim como a qualidade do emprego desses trabalhadores na região Sul do país entre 2002 e 2014. Esse período foi marcado pelo boom das commodities agrícolas (World Bank, 2009), o qual contribuiu para o vigoroso crescimento da produção, entretanto, não é claro se esta dinâmica virtuosa estaria refletindo na melhoria de renda e bem-estar das famílias assalariadas rurais. A região Sul do Brasil ocupa a segunda posição no setor agropecuário em termos de valor agregado bruto no Brasil (MAPA, 2021), porém na literatura sobre o tema há pouca informação sobre a qualidade de vida material domiciliar dessas famílias, razão pela qual será estuda essa região.

Em virtude de o objetivo deste artigo ser o de investigar conjuntamente as condições de trabalho e as condições materiais de vida domiciliar dos assalariados na agropecuária sulina, foram utilizados os microdados da Pesquisa Nacional da Amostra de Domicílio (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para ambas as condições. Com isso, foi combinado o estudo das pessoas (assalariados) e seus domicílios/famílias. Além disso, optou-se por não tratar esses assalariados como um grupo homogêneo, de modo que foi criada uma estratificação entre eles, tomando como critérios de separação/divisão, a renda familiar do trabalho assalariado (dos membros/pessoas da família) na agropecuária e o tamanho da família. Ou seja, foram formados tipos/grupos de famílias/domicílios para que a realização da investigação comparativa das condições de trabalho e de vida material fosse feita no interior de cada grupo familiar e, também, entre os grupos (de famílias com tamanhos e rendas distintas de assalariamento na agropecuária).

Para a classificação dos distintos tipos de famílias a serem analisadas, com base no tamanho e na renda familiar do assalariamento na agropecuária, foi utilizado como parâmetro/referência para a identificação o salário mínimo necessário (SMN), calculado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2016). Com base no exposto, a amostra selecionada e os tipos de famílias criados para este estudo, assim como os indicadores das condições de trabalho e das condições de vida material domiciliar dos assalariados na agropecuária sulina podem ser observados na próxima seção.

Mercado de trabalho agropecuário e condição de trabalho: uma breve revisão

O trabalhador rural é uma grande preocupação para o futuro da agropecuária em todo mundo, visto que a agricultura (especialmente a familiar) é altamente intensiva em mão de obra, a qual emprega 27% da população trabalhadora mundial, no qual gera renda para a maior parte das famílias rurais, e é responsável pela alimentação mundial mediante o comércio e o consumo de subsistência (Banco Mundial, 2021).

Contudo, a agropecuária se defronta com a redução da população ocupada, em razão de vários motivos dentre os quais a expansão da agricultura empresarial, gerando o declínio de mais de 3 milhões de empregos entre 1996 e 2014 (Figura 1), menor atratividade quando comparado com outros setores, extensas jornadas de trabalho, baixos salários e condições de trabalho precárias (Banco Mundial, 2021).

Figura 1:
Evolução do PIB da agropecuária e da população ocupada no setor rural: Brasil, 1996 a 2014
Evolução do PIB da agropecuária e da população ocupada no setor rural: Brasil, 1996 a 2014
Fonte: CEPEA (2023) para os dados do PIB do agronegócio e IPEA (2022) para os dados da população ocupada rural. Nota: multiplicar os valores por 10.000.

Os trabalhadores inseridos em atividades agropecuárias formam um grupo heterogêneo. Seus salários e condições de emprego variam de um tipo de empregado para outro. O montante da força de trabalho rural oscila com as estações do ano, devido ao plantio e colheita; a jornada de trabalho tende a ser extremamente longa; e os salários mínimos tendem a ser baixos (Hurst, Termine y Karl, 2007).

Os salários agrícolas são fundamentais para a renda de muitas famílias, tanto para os trabalhadores temporários quanto para os permanentes em todas as regiões menos ou mais tecnificadas. Staduto, Bacha y Bacchi (2002) analisaram os salários agropecuários para o período 1971-1996 e verificaram que o salário mínimo foi o principal determinante da remuneração dos trabalhadores agrícolas em todas as regiões do Brasil, sendo mais importante que a produtividade do trabalho. Portanto, o salário mínimo tem funcionado como um indexador dos salários agrícolas.

Por outro lado, Gasques et al. (2012) mostram que o setor agropecuário vem apresentando ganho de produtividade total dos fatores para o período por eles estudado (1975-2011), inclusive para a parcela do trabalho. Dessa forma, verifica-se que, apesar do aumento da produtividade total dos fatores, o mercado de trabalho agropecuário tem importantes falhas, dado que os salários dos trabalhadores agrícolas não subiram na mesma proporção que a produtividade (Staduto, Bacha & Bacchi, 2002). Assim, essas imperfeições no mercado de trabalho causam prejuízos para os trabalhadores e, consequentemente, para a renda familiar.

De acordo com Staduto, Shikida y Bacha (2004), surgiu na década de 90 do século passado um novo ciclo inovativo na agricultura brasileira, claramente poupador de mão de obra. Foram lançados no mercado nacional novos implementos que, em grande medida, substituíram a habilidade humana em tarefas que eram realizadas por um grande contingente de trabalhadores agrícolas, principalmente na colheita de culturas tropicais, tais como cana de açúcar, laranja e café. A partir de então, milhares de postos de trabalho na agricultura desapareceram, em um processo estrutural (Alves y Marra, 2009), o qual contribui para pressionar os salários dessas ocupações para baixo.

Balsadi (2007c) mostrou que entre 1992 e 2004 houve redução de 1,9 milhão de pessoas em postos de trabalho que envolvem atividades agrícolas e pecuárias. Apesar desse cenário adverso, ocorreram importantes avanços na qualidade de emprego para todas as categorias de trabalhadores e tipos de família, sendo que os componentes que mais auxiliaram para essa melhoria foram o rendimento do trabalho principal e o grau de formalidade (Basaldi, 2006, 2007a, 2007c).

Além disso, Balsadi (2006, 2007c) evidencia que o período entre 2001 e 2004 foi definido pela expansão do agronegócio, sendo um dos períodos mais promissores para o setor até então. Tais resultados, assim como a melhoria da qualidade do emprego evidenciada pelo Índice de Qualidade do Emprego (IQE), criado pelo autor, apresentaram uma combinação interessante entre o desempenho positivo do setor agropecuário e a ação do setor público para a garantia de direitos sociais básicos que visavam o aumento na qualidade de vida dos trabalhadores.

Avançando na literatura, Balsadi y Silva (2008) analisaram a polarização existente dentro do mercado de trabalho agrícola brasileiro, entre 1992 e 2004. Com foco específico nos empregados – permanentes e temporários –, observaram que um empregado ocupado em uma cultura de commodity tem melhores condições de trabalho do que um inserido em cultivos mais tradicionais. Nota-se que empregados em cultivos de commodities possuem melhores condições de trabalho, pois tais produções são mais dinâmicas e significativas para a pauta de exportações do país do que aquelas consideradas tradicionais.

Com outro tipo de abordagem, porém utilizando a metodologia de Balsadi (2007c), Nascimento, Oliveira, Souto y Mendes (2009) estudaram a qualidade dos empregos agrícolas e não agrícolas na região Sul nos anos de 2002 e 2005. Os resultados indicaram que as condições de emprego das ocupações não agrícolas eram mais vantajosas do que para as ocupações agrícolas, sendo que os trabalhadores agrícolas temporários (boias-frias) foram os que se mantiveram em piores condições. Os autores ainda reforçam que, comparando o índice de qualidade de emprego entre os grupos de ocupações agrícolas e não agrícolas e entre rural e urbano, de forma geral, a qualidade dos empregos é baixa, chegando no máximo a 50% do valor do indicador que os autores aplicaram.

Estudando o emprego formal, Santos y Rodrigues (2015) verificaram que o índice de qualidade de emprego por eles adotado apresentou comportamento padronizado em todas as macrorregiões brasileiras, diante da evolução da qualidade de trabalho na agropecuária de 1990 a 2010. Considerando os componentes que formam o índice, todas as macrorregiões exibiram melhorias no indicador de escolaridade, reduções no indicador de concentração salarial, e estabilidade na alta taxa de rotatividade.

A contratação do trabalhador agrícola pode ser feita de duas formas: por meio de recrutamento direto por parte dos produtores rurais, ou por meio de intermediários, denominados de “gatos”. É da competência dos “gatos” o transporte dos trabalhadores, a coordenação da mão de obra e a prestação de contas das atividades exercidas pelos empregados perante os tomadores desse serviço. Essa modalidade indireta de contratação (“gatos”) era irregular até 2017, quando entra em vigor a Lei n. 13.429/2017, que trata da terceirização da mão de obra e permite a contratação de trabalhadores para atividades-fins por meio de intermediários.

Entretanto, na década de 1990, Staduto, Rocha y Bitencourt (2004) relataram as tentativas de criar cooperativas de trabalhadores agrícolas no país para atender as demandas laborais associadas às atividades agropecuárias. Dentre elas está a substituição dos “gatos”, envolvendo a contratação de intermediários como mão de obra temporária, em atividades relacionadas principalmente ao plantio e à colheita de grandes lavouras, como cana de açúcar, laranja, café etc., No entanto, essas cooperativas foram proibidas pelas instituições jurídicas de exercer tal função, pois havia o entendimento de que essa forma de contratação burlava a lei vigente na época.

A despeito da lei atual, que regulamenta a intermediação e contração de mão de obra, tornando toda a espécie de intermediação legal, a precariedade das atividades laborais no meio rural consiste em um tópico indispensável e muito preocupante, pois há um grande número de registros de formas irregulares de trabalho em condições análogas à escravidão. No Brasil, entre 2003 e 2014, foram libertados 43.473 trabalhadores em condições análogas ao trabalho escravo, sendo que 90% destes estavam em atividades agropecuárias. As atividades pecuárias e a cana de açúcar corresponderam a 29% e 25%, respectivamente, do total dos trabalhadores que resgatados (Escravo nem Pensar, 2017).

Diante do exposto, verifica-se como as transformações ocorridas no meio rural afetaram a qualidade do emprego. Alguns fatores podem ser citados: o desempenho e modernização da agropecuária (Balsadi, 2001; Staduto, Bacha y Bacchi, 2002); o aumento na produtividade total dos fatores de produção (Gasques, Bastos, Valdes & Bacchi, 2012); o crescimento da renda média dos trabalhadores rurais (IPEA, 2022); as mudanças na legislação sobre a intermediação e contratação de mão de obra etc. Verifica-se, portanto, a importância em investigar as condições de trabalho e de vida material domiciliar dos assalariados na agropecuária. Tarefa que este estudo realizou apoiado na metodologia apresentada a seguir.

Metodologia para mensuração dos grupos/tipos de famílias de assalariados na agropecuária sulina

Nesta sessão são apresentados detalhadamente a amostra selecionada para as análises; a tipologia de famílias de assalariados na agropecuária sulina; e os indicadores de nível de vida material domiciliar e de qualidade de emprego.

Amostra selecionada

A amostra selecionada consiste em um conjunto de famílias de trabalhadores assalariados que não têm entre seus membros nenhuma pessoa ocupada como empregador ou como conta-própria, mas que têm pelo menos uma pessoa ocupada e classificada, pela PNAD, como assalariada na agropecuária. O período de análise compreende os anos de 2002 a 2014, que coincide com os três mandatos completos de governo federal assumidos pelo Partido dos Trabalhadores, durante os quais vários estudos identificam a melhora nas condições do mercado de trabalho assalariado, além da melhora em outros indicadores sociais (Carleial, 2010; Bastos, 2012). O que instiga a investigar o alcance dessas melhoras, no referido período, sobre o conjunto dos tipos de famílias (conforme descrito a seguir) de trabalhadores assalariados na agropecuária, especificamente da região Sul, que é a área geográfica de análise deste estudo. Ademais, foi aplicado o Índice Nacional de Preço ao Consumidor (INPC) para corrigir os dados de renda da PNAD para setembro de 2014.

Na região Sul, segundo os microdados da PNAD de 2014, havia 10,27 milhões de famílias urbanas e rurais, das quais 4,52 milhões – ou seja, 43,8% do total de famílias – correspondiam ao total de famílias de empregados no setor privado. Dessas últimas, 335 mil (7,4%) correspondem ao universo de famílias sulinas de assalariados na agropecuária analisadas neste artigo – sendo que, em 2014, nesse conjunto de famílias havia 438,6 mil trabalhadores assalariados na agropecuária, correspondendo a 97,3% do total, que é a amostra do estudo em 2014 do ponto de vista das pessoas. Os outros 2,7% de assalariados agropecuários pertencem às famílias que não eram exclusivamente de assalariados.

Tipologia de famílias de assalariados

Os tipos de famílias investigadas tiveram como parâmetros de classificação a renda do trabalho assalariado na agropecuária (comparada com o salário mínimo necessário, SMN, do DIEESE) e o tamanho da família. O SMN do DIEESE se fundamenta na exigência constitucional que prescreve o conjunto de bens e serviços que o trabalhador médio (da base da pirâmide salarial) deve adquirir para ter suas necessidades básicas atendidas. O que o DIEESE faz é calcular o quanto deveria ser o salário mínimo necessário para atender à exigência constitucional em relação aos requisitos básicos mínimos para uma reprodução normal da força de trabalho do trabalhador médio (e sua família). O DIEESE calcula o SMN baseando-se na estrutura de gastos, como alimentação; transporte; vestuário; habitação etc., “das famílias do estrato inferior (1/3 de menor renda)” (DIEESE, 2010, p. 116). O SMN considera o quanto que o chefe da família (ou seu cônjuge) deveria auferir para sustentar sua família de quatro pessoas (dois adultos e duas crianças – ou três adultos), razão pela qual tomou-se também o tamanho da família como critério a ser combinado com o SMN para a classificação dos tipos familiares, conforme indicado a seguir.

Os tipos de famílias de assalariados, cuja classificação tomou o SMN do DIEESE e o tamanho da família como critérios foram, portanto, os seguintes:

  • Família Tipo 1: família com até 4 membros e com renda familiar do trabalho agropecuário assalariado igual ou maior que o SMN/DIEESE;

  • Família Tipo 2: família com 5 ou mais membros e com renda familiar do trabalho agropecuário assalariado igual ou maior que o SMN/DIEESE;

  • Família Tipo 3: família com até 3 membros e com renda familiar do trabalho agropecuário assalariado menor que o SMN/DIEESE; e

  • Família Tipo 4: família com 4 ou mais membros e com renda familiar do trabalho agropecuário assalariado menor que o SMN/DIEESE;

Como se pode ver, do ponto de vista da renda familiar do trabalho agropecuário assalariado – e do tamanho da família (representando a dependência da família àquela renda) –, a família Tipo 1 se encontra em um extremo (melhor condição), na classificação das famílias, enquanto a família Tipo 4 se encontra no outro extremo (pior condição) – o Tipo 2 é considerado em uma condição superior ao Tipo 3. Cada um desses tipos familiares foi subdividido em dois outros tipos: i) famílias com apenas um assalariado; e ii) famílias com dois ou mais assalariados (o que, nesse caso, significa que cada assalariado também deveria receber o SMN/DIEESE).

Essa tipologia de famílias de assalariados possibilita maior conhecimento da heterogeneidade do conjunto das famílias assalariadas na agropecuária sulina, o que permitirá, na sequência deste artigo, uma análise mais detalhada e mais precisa no que diz respeito à evolução da participação relativa desses diferentes grupos familiares no total das famílias sulinas assalariadas na agropecuária, assim como também das suas respectivas condições materiais de vida e de trabalho assalariado.

Indicador de nível material de vida domiciliar (INIV)

Para uma análise do nível material de vida dos domicílios das famílias de assalariados na agropecuária sulina criou-se um Indicador de Nível Material de Vida Domiciliar (INIV), a partir dos microdados da PNAD. Os resultados consistem em uma média simples entre quatorze informações (positivas = 1 e negativas = 0) relativas aos domicílios dos diferentes tipos de famílias. As informações se referem a: tipo de parede (alvenaria); tipo de cobertura (telha ou laje); casa própria (paga ou sendo paga); água canalizada (de rede geral ou poço ou nascente); banheiro (uso exclusivo do domicílio, com rede coletora ou fossa séptica); fogão de duas bocas ou mais (a gás ou elétrico); filtro de água; energia elétrica; telefone; televisão; geladeira; máquina de lavar roupa; microcomputador; microcomputador para acessar a internet. Somaram-se as informações com respostas positivas (= 1) e dividiu-se pelo número de variáveis utilizadas, obtendo-se resultados para o INIV, que variam entre 0 e 1 (0% até 100%). Quanto mais próximo de 1, melhor o indicador de nível material de vida do domicílio/família. Construiu-se quatro faixas do INIV:

  • 0 a 0,25;

  • Acima de 0,25 até 0,50;

  • Acima de 0,50 até 0,75;

  • Acima de 0,75 até 1.

Indicador de qualidade do emprego3

Para analisar as condições de trabalho dos assalariados dos distintos tipos de famílias, construiu-se um Índice de Qualidade do Emprego (IQE), cujos três procedimentos básicos foram os seguintes:

1) Indicadores simples das PNADs:

Percentual (%) de assalariados: com idade acima de 15 anos (); com jornada semanal de 214 até 44 horas (); sem trabalho temporário (); com carteira assinada (); contribuintes da Previdência Social (); com tempo de deslocamento para o trabalho de até 30 minutos (); sem ocupação secundária (sem 2a ocupação) (); que recebiam auxílio moradia (), auxílio alimentação (), auxílio transporte (), auxílio educação () e auxílio saúde (); com remuneração acima de 1 salário mínimo oficial ().

2) A partir dos indicadores simples, calculam-se os indicadores parciais. Os três indicadores parciais foram obtidos da seguinte forma5:


3) Calcula-se o IQE a partir das médias ponderadas dos indicadores parciais:


O IQE varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1, melhor a qualidade do emprego, indicando condições de trabalho melhores.

Análise e discussão dos dados

A Tabela 1 exibe na última coluna, ano de 20146, a distribuição absoluta dos contingentes de famílias analisadas e, nas demais colunas, a distribuição e evolução da participação relativa dos distintos tipos familiares no total do universo de famílias selecionadas. Observa-se uma forte redução da participação relativa das famílias do tipo 4 – em 2002 era de 56,6% (194 mil famílias), caindo, em 2014, para 37,1% (124 mil famílias) da amostra total selecionada das famílias sulinas de assalariados na agropecuária.

Contudo, do ponto de vista da adoção do SMN/DIEESE, que deve corresponder à remuneração que um trabalhador necessita (do ponto de vista constitucional) para sustentar a si mesmo, seu cônjuge e duas crianças, é razoável considerar, nesse sentido, as famílias do Tipo 3 com dois ou mais assalariados semelhantes às famílias do Tipo 4. Uma vez que, embora sejam famílias com menos de quatro membros7 possuem mais de um membro assalariado. Esperava-se que a renda das famílias com mais de um assalariado deveria ser pelo menos igual ao SMN/DIEESE. Entretanto, não é o que se verifica na Tabela 1. Tal situação indica que os trabalhadores desse tipo de família estão sendo remunerados bem abaixo do estimado pelo SMN/DIEESE.

Pode-se notar que apesar da importância da expansão da economia do agronegócio, apoiado no aprofundamento das tecnologias de produção e, por conseguinte, de maior qualificação da mão de obra (Delgado, 2012), verifica-se a resiliência das famílias do Tipo 4 ao avanço do agronegócio, pois essas mantiveram uma ampla participação no total das famílias. Somando os percentuais das famílias do Tipo 4 aos das famílias do Tipo 3, com dois ou mais assalariados, a Tabela 1 mostra que, mesmo depois de uma redução expressiva de 19,5 pontos percentuais no contingente de famílias do Tipo 4 (com o referido acréscimo), tipo familiar com a pior situação comparativamente aos demais tipos, o seu percentual ainda permanece elevado, isto é, 43,1%, em 2014, do total de famílias do universo selecionado.

Tabela 1:
Evolução da participação relativa (%) dos tipos de famílias assalariadas na agropecuária no total regional de famílias assalariadas amostradas desse setor: Sul, 2002 a 2014
Evolução da participação relativa (%) dos tipos de famílias assalariadas na agropecuária no total regional de famílias assalariadas amostradas desse setor: Sul, 2002 a 2014
Fonte: Microdados PNAD/IBGE. Elaboração própria.(a) estimativa do coeficiente de uma regressão log-linear contra o tempo. Nesse caso, o teste t indica a existência ou não de uma tendência nos dados. ***, **, * significam respectivamente 5%, 10% e 20%.(b) Família Tipo 1 = Família com até 4 membros e com renda familiar do trabalho ≥ SMN/DIEESE.

Família Tipo 2 = Família com 5 ou mais membros e com renda familiar do trabalho ≥ SMN/DIEESE.

Família Tipo 3 = Família com até 3 membros e com renda familiar do trabalho < SMN/DIEESE.

Família Tipo 4 = Família com 4 ou mais membros e com renda familiar do trabalho < SMN/DIEESE.

SMN/DIEESE: Salário Mínimo Necessário / Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

Socioeconômicos.

De acordo com Afonso et al. (2011), a política de crescimento do salário mínimo nacional contribuiu para reduzir a pobreza, o que se reflete mais claramente nos salários mais baixos, como os agrícolas (Staduto, Bacha y Bacchi, 2002) e outras atividades laborais menos complexas, bem como no setor informal (Camargo, Neri y Gonzaga, 2001). De outro lado, na região Sul do Brasil, o número de oportunidades nas atividades não agrícolas, em razão da rede urbana e das atividades desenvolvidas nas áreas rurais (Nascimento, Oliveira, Souto y Mendes, 2009), pode ter impactado positivamente para reduzir o número de famílias do Tipo 4 (Tabela 1), uma vez que parte dessas famílias podem ter se tornado famílias não agrícolas (hipótese que merece outro estudo).

Em virtude da baixa participação relativa dos grupos familiares do Tipo 1 e do Tipo 2 (Tabela 1), relaxou-se momentaneamente a forma original de classificação dos tipos familiares. Foi reduzido para um terço o parâmetro de comparação (SMN/DIEESE) com as rendas do trabalho agropecuário do universo de famílias de assalariados sob análise. Com isso, reclassificou-se todos os tipos de famílias, agora, baseado em apenas 1/3 do SMN/DIEESE e no tamanho da família, para ser examinado como, nessa nova especificação, evoluíram os distintos tipos de famílias, conforme exibido na Tabela 2.

Verificou-se que as famílias do Tipo 4 ainda alcançavam, em 2014, o expressivo percentual de 15,3%, ou seja, 51 mil famílias do total de famílias selecionadas. Em 2002, as famílias do Tipo 4 correspondiam a 41,8% do total de famílias amostradas. Por outro ângulo, quando se considera apenas um terço do SMN/DIEESE, parece mais adequado não considerar a situação de apenas até três pessoas para as famílias do Tipo 38(Tabela 2). Nesse caso, o somatório dos Tipos 3 e 4 (tornando-os Tipo 4), em 2014, eleva o percentual de 15,3% para 39,3%, ou seja, 132 mil famílias. Percebe-se, portanto, que em ambos os casos (Tabelas 1 e 2), em 2014 ainda era bastante elevada a fração de famílias de assalariados na agropecuária da região Sul que poderia ser considerada como do Tipo 4 (grupo familiar em pior condição).

Tabela 2:
Evolução da participação relativa (%) dos tipos de famílias assalariadas (com renda do assalariamento na agropecuária até 1/3 do SMN/DIEESE) no total regional de famílias assalariadas amostradas da agropecuária: Sul, 2002 a 2014
Evolução da participação relativa (%) dos tipos de famílias assalariadas (com renda do assalariamento na agropecuária até 1/3 do SMN/DIEESE) no total regional de famílias assalariadas amostradas da agropecuária: Sul, 2002 a 2014
Fonte: Microdados PNAD/IBGE. Elaboração própria.(a) estimativa do coeficiente de uma regressão log-linear contra o tempo. Nesse caso, o teste t indica a existência ou não de uma tendência nos dados. ***, **, * significam respectivamente 5%, 10% e 20%.(b) Legenda: a mesma da Tabela 1.

Retornando à classificação original dos tipos de famílias com base nos 100% do SMN/DIEESE, observa-se na Tabela 3 que, ao longo do período sob análise, houve uma suave tendência de convergência entre os distintos tipos familiares no que respeita a um padrão de acesso a diferentes bens (apresentados de forma sintética pelas faixas do indicador de nível material de vida dos domicílios – INIV). Os dois tipos familiares com renda do trabalho assalariado inferior ao SMN/DIEESE (Tipos 3 e 4), registraram, na faixa superior do INIV (0,75 a 1), taxas anuais médias de crescimento de 18,8% e 26,8%, respectivamente, reduzindo a distância em relação ao padrão verificado nos Tipos familiares 1 e 2.

Essas informações sugerem que as condições materiais de vida domiciliares dos assalariados das famílias do Tipo 3 e do Tipo 4 se elevaram (embora ainda permaneçam baixos quando comparado com os outros tipos familiares), especialmente no que diz respeito ao acesso a bens. Essa observação, do ponto de vista da evolução do INIV, parece sugerir uma possível tendência de convergência entre as condições materiais de vida domiciliares dos quatro tipos de famílias.

Tabela 3:
Distribuição e evolução das participações relativas (%) dos tipos familiares, segundo faixas do indicador material de nível de vida domiciliar (INIV): Agropecuária, Sul, 2002 a 2014
Distribuição e evolução das participações relativas (%) dos tipos familiares, segundo faixas do indicador material de nível de vida domiciliar (INIV): Agropecuária, Sul, 2002 a 2014
Fonte: Microdados PNAD/IBGE. Elaboração própria.(a) estimativa do coeficiente de uma regressão log-linear contra o tempo. Nesse caso, o teste t indica a existência ou não de uma tendência nos dados. ***, **, * significam respectivamente 5%, 10% e 20%.(b) Legenda: a mesma da Tabela 1.

A Tabela 4, por sua vez, registra a distribuição e evolução dos percentuais de trabalhadores sulinos assalariados na agropecuária, dentro de cada tipo familiar, segundo faixas do indicador de condições de trabalho qualidade do emprego (IQE). Nota-se que em todos os tipos de famílias houve melhora nas condições de trabalho dos seus membros assalariados – resultados similares foram obtidos nos trabalhos de Balsadi (2006, 2007c); Nascimento, Oliveira, Souto y Mender (2009); e Santos y Rodrigues (2015). Do ponto de vista das famílias do Tipo 3 e do Tipo 4, a evolução do indicador de condições de trabalho, nas duas faixas superiores (entre 0,50 e 1), foi de melhoria expressiva e significativa (ponto de vista estatístico). Essa informação, por um lado, corrobora as observações anteriores de redução dos contingentes de famílias do Tipo 4 (adicionando ou não as do Tipo 3) (Tabelas 1 e 2) e, por outro lado, contrasta com a observação anterior de permanência de uma ainda elevada participação relativa do contingente das famílias do Tipo 4. Uma vez que, a despeito de tal permanência, as condições de trabalho, baseadas nas informações utilizadas para compor o IQE, melhoraram nitidamente.

O aumento do rendimento médio devido à expansão e ao desempenho positivo do setor agropecuário, associados com a melhoria nos níveis de saúde, escolaridade, transporte, alimentação, acesso a serviços sociais, inserção no mercado formal de trabalho, entre outros, foram fatores essenciais para melhoria na qualidade de trabalho, assim como no bem-estar do trabalhador (Balsadi, 2006, 2007c).

Tabela 4:
Evolução dos percentuais de assalariados por faixas do indicador de condições de trabalho (IQE), segundo o tipo de família de trabalhadores assalariados na agropecuária: Sul, 2002 a 2014
Evolução dos percentuais de assalariados por faixas do indicador de condições de trabalho (IQE), segundo o tipo de família de trabalhadores assalariados na agropecuária: Sul, 2002 a 2014
Fonte: Microdados PNAD/IBGE. Elaboração própria.(a) estimativa do coeficiente de uma regressão log-linear contra o tempo. Nesse caso, o teste t indica a existência ou não de uma tendência nos dados. ***, **, * significam respectivamente 5%, 10% e 20%.(b) Legenda: a mesma da Tabela 1.

A Tabela 5 possibilita a análise de um dos quesitos que formaram o indicador de qualidade de emprego (IQE) (Tabela 4), mais especificamente a jornada de trabalho. Nota-se que houve, especialmente nos tipos de famílias 3 e 4, com rendimentos do assalariamento inferior ao SMN/DIEESE, também uma melhoria nesse indicador. Isto é, verifica-se um aumento do percentual de trabalhadores com jornada de trabalho dentro das condições legais ou normais (até 44 horas de trabalho), com redução significativa dos percentuais de assalariados com jornada de trabalho de 49 horas ou mais. Resultado importante, dado que o setor agropecuário se caracteriza por extensas jornadas de trabalho (Hurst, Termine y Karl, 2007; Banco Mundial, 2021).

Tabela 5:
Evolução da participação relativa (%) dos trabalhadores assalariados na agropecuária, dentro de cada tipo familiar, segundo faixas de jornada de trabalho: Sul, 2002 a 2014
Evolução da participação relativa (%) dos trabalhadores assalariados na agropecuária, dentro de cada tipo familiar, segundo faixas de jornada de trabalho: Sul, 2002 a 2014
Fonte: Microdados PNAD/IBGE. Elaboração própria.(a) estimativa do coeficiente de uma regressão log-linear contra o tempo. Nesse caso, o teste t indica a existência ou não de uma tendência nos dados. ***, **, * significam respectivamente 5%, 10% e 20%.(b) Legenda: a mesma da Tabela 1.

Por outro lado, pode-se observar também que, ao considerar os percentuais das duas faixas “acima de 44 horas”, ainda havia, em 2014, um percentual expressivo de trabalhadores com trabalho além da normalidade – 37,9% nas famílias do Tipo 3, e 36,2% nas famílias do Tipo 4. Além disso, verifica-se nesses dois tipos familiares um pequeno percentual de trabalhadores com trabalho parcial ou subemprego (“até 20 horas semanais”).

Diante do exposto, observa-se que ao serem consideradas outras informações (número de assalariados na família, condições de trabalho e jornada de trabalho em tempo parcial ou excessiva), para a análise dos tipos de famílias classificadas originalmente com base no SMN/DIEESE e no tamanho da família, torna-se possível relativizar ou qualificar a classificação inicial. Ou seja, o que inicialmente estava classificado como, por exemplo, família do Tipo 3, viu-se que, ao considerar um dos subgrupos desse tipo familiar (o subgrupo com dois ou mais assalariados), percentuais desses tipos familiares poderiam ser considerados do Tipo 4. Assim como, por outro lado, ao se observar a melhora na evolução das condições de trabalho (e da jornada de trabalho), também se pode relativizar a consideração de “pior condição” (do tipo 4) e, por esse ângulo de raciocínio, relativizar um pouco também a observação de ainda permanência de uma participação relativa elevada das famílias do Tipo 4, no último ano da série de tempo analisada.

Em síntese, foi identificado uma melhora das condições materiais dos domicílios das famílias de assalariados no setor agropecuário na região Sul (Tabela 3), uma melhoria nas condições de trabalho desses empregados (Tabela 4), e um aumento do percentual de trabalhadores com jornada de trabalho dentro das condições legais ou normais, ou seja, até 44 horas de trabalho (Tabela 5). Entretanto, mesmo com essas melhorias mencionadas, o contingente de famílias de assalariados classificadas como Tipos 3 e 4 registram elevada participação na amostra analisada (Tabelas 1 e 2).

O desenvolvimento rural não se limita ao pequeno contingente de trabalhadores assalariados analisados neste estudo, em relação ao total de trabalhadores rurais, porém, deve-se ressaltar que, apesar da pequena representatividade, é um expressivo segmento social da realidade rural brasileira. Os resultados até aqui expostos, conduz à reflexão sobre a importância do crescimento e desenvolvimento rural que objetivam a redução da pobreza e desigualdades, melhorias nas condições de vida material e na qualidade dos empregos, assim como do bem-estar dos trabalhadores e suas famílias.

Considerações Finais

Os dados mostraram que houve um pequeno aumento da participação relativa dos contingentes de famílias de assalariados dos Tipos 1 e 2 (com rendas iguais ou superiores ao SMN/DIEESE), concomitantemente com a redução do número de famílias de assalariados do Tipo 4. O salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE era, em setembro de 2014, R$2.862,73, enquanto que o salário mínimo oficial, na mesma data, era R$724,00. Constatou-se também a melhoria das condições de trabalho e de vida de todos os tipos (de famílias) de trabalhadores analisados. Porém, faz-se necessário continuar com essa evolução, pois mesmo em um período de acelerado crescimento econômico e aumento da renda do trabalho, o número de famílias de assalariados do Tipo 4, tanto em termos absolutos quanto relativos, ainda era significante e expressivo em 2014.

Os trabalhadores agropecuários compõem um grande grupo ocupacional em todo o mundo. São trabalhadores mal pagos e recebem salários mais baixos quando comparados com outros setores, especialmente a indústria. As condições de trabalho e de vida material, em sua maior parte, são precárias; estão submetidos a trabalhos intensivos em mão de obra com extensas jornadas de trabalho.

Mesmo com a melhora na condição de vida desses empregados, tanto do ponto de vista material quanto do trabalho, o número de famílias classificadas como os Tipos 3 e 4 ainda é significativo, como visto ao longo do trabalho. Nesse cenário, pode-se refletir sobre o que ainda deve ser feito por esse setor, como o aumento das oportunidades de emprego de qualidade e com condições dignas por meio do aumento da produtividade agrícola, pelo menos no tocante ao grupo de trabalhadores assalariados na agropecuária empresarial. Porém, do ponto de vista do desenvolvimento rural, que não se limita ao pequeno contingente desses trabalhadores assalariados, deve-se levar em conta aspectos essenciais que residem na aplicação de políticas públicas que apoiam o segmento da agricultura familiar que é a mais intensiva em mão de obra.

Por fim, espera-se que este trabalho possa ter contribuído para o esforço de mensuração dos contingentes de famílias de assalariados no Brasil. Obviamente que o setor da economia, que aqui foi utilizado para inferência (agropecuária) agrega um leque amplo de subsetores, assim como também de diferentes tipos de empregos, mais e menos qualificados, e com diferenças regionais. Desse modo, o resultado alcançado revela apenas uma visão média geral do setor em nível de agregação regional. Como se pôde observar, também não foi tratado neste estudo de questões relacionadas a possíveis alterações tecnológicas na agropecuária, à sua produtividade e nível de emprego. Essas e outras (como, por exemplo, o necessário e permanente aperfeiçoamento da metodologia utilizada) são questões passíveis de serem incorporadas em desdobramentos da atual pesquisa – assim como também o acompanhamento da evolução dos dados posteriormente ao período analisado, possibilitando, dessa forma, uma comparação de dois períodos (e governos) orientados por perspectivas teóricas distintas.

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Notas

1 É prudente lembrar que a agricultura não familiar ocupa uma parcela comparativamente menor de mão de obra em relação à agricultura familiar. No Brasil bem como na região Sul, a agricultura familiar responde por 67% e 69%, respectivamente da mão de obra ocupada. A partir da década de 90, esse segmento passa a contar com uma série de políticas públicas, sendo ampliadas a partir dos anos 2000. Tal contexto, e não apenas a expansão do agronegócio está na base dos avanços socioeconômicos verificados no campo brasileiro.
2 Depois de excluídas as famílias de assalariados com rendas do trabalho assalariado perdidas e/ou não declaradas (missings). Essas exclusões atingem em média 3,0% do total de famílias assalariadas, a cada ano da PNAD dos anos 2000.
3 Esse indicador é uma adaptação do desenvolvido por Balsadi (2007b).
4 Estamos considerando, para o cálculo do IQE, a jornada acima de 20 horas, porque, segundo De Grazia (2007, p. 47), “Variando entre uma e 20 horas semanais, inúmeras pesquisas empíricas a respeito desse tipo de emprego concluíram tratar-se, em sua maioria, de um trabalho equivalente a um subemprego. É o que chamamos de ‘bico’.”
5 Adaptamos as ponderações, obtidas em Balsadi (2007b), ao objetivo do presente estudo.
6 Nesta coluna, de números absolutos, deve-se multiplicar por 1.000 os números exibidos na coluna.
7 Lembrando que o SMN/DIEESE pressupõe um trabalhador que o receba para sustentar uma família de quatro membros, dois adultos e duas crianças.
8 Lembrando mais uma vez que a exigência, para o tamanho da família, de quatro pessoas (dois adultos e duas crianças), somente é razoável quando se considera 100% do SMN/DIEESE.

Recepción: 21 Mayo 2023

Aprobación: 18 Diciembre 2023

Publicación: 01 Abril 2024

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